... a ciência social como uma ciência humana, demasiadamente humana
Grupo de Estudos que vem sendo desenvolvido no Centro Universitário Curitiba, sob gestão do Núcleo de Pesquisa e Extensão – NPEA.

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sábado, 20 de junho de 2009

Reunião de 20/06/2009 – Karl Popper


Estimados!

Que beleza de reunião, foi uma alegria conhecê-los, e discutir convosco é um privilégio.

Para dar continuidade aos posts referentes às reuniões, em conformidade ao que acordamos ontem pela manhã, acredito que possamos seguir um esquema mais flexível – mas não menos rigoroso do que os fichamentos prescritos pela metodologia científica – de estabelecer uma continuidade da discussão dos textos e novas referências ou idéias surgidas após a reunião, aqui em nosso espaço on-line.

Como, a rigor, a técnica do fichamento exige que se comece com a apresentação e contextualização do autor, em nosso primeiro caso, qual seja o de Popper, temos isto resolvido tanto pela apresentação do Dall'Agnol pela manhã de ontem quanto pelas próprias indicações que deixei sobre todos os autores, mais abaixo neste blog, na seção "Referências bibliográficas que são diretamente objeto dos estudos do Grupo" em que há um link no nome de cada autor a ser estudado que remete a uma página com dados específicos da biografia e pensamento dos autores.

Resolvido isto, penso que o principal enfoque dentro de nossa proposta é o da parte final recomendada na técnica de fichamento, por metodólogos como Antonio Joaquim Severino e Délcio Vieira Salomon, qual seja a parte da apreciação crítica, do momento em que o leitor, após a leitura detalhada do texto, passa aos apontamentos pessoais sobre o conteúdo e forma do texto abordado, de modo a formular novas questões e posicionamentos sobre os assuntos, atualizando-os e trazendo-os aos contextos específicos temporal e espacialmente.

Quaisquer dúvidas a respeito desta proposta de procedimento que vos trago poderão ser sanadas tanto aqui, na área de comentários, quanto no dia da próxima reunião.

De qualquer forma, iniciei este texto ontem e hoje já fui surpreso pelo texto do Dall'Agnol, que está totalmente conforme o espírito da proposta, o que é ótimo porque daqui por diante já podemos seguir as postagens, já contando com exemplos.

É importante ter em mente que o espírito do blog, ainda, é de intertextualidade, de modo que se forma um grande texto comunicando comentários e postagens de outros integrantes.


Texto objeto de estudo:
POPPER, Karl R. A Responsabilidade Moral do Cientista. In: NOTTURNO, M. A. O mito do contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Tradução de Paula Taiper. Lisboa: Edições 70, 1996. p. 153-162.


De nossa discussão, como debatemos, relevantíssima a contribuição de Popper que, partindo do clássico Juramento de Hipócrates, discorre sobre a responsabilidade moral do cientista, buscando ampliar o debate para além do campo da medicina, abarcando toda e qualquer ciência que venha a produzir conhecimento e, portanto, poder, o qual influi decisivamente na vida de milhares de pessoas.

O ensaio do filósofo austríaco foi redigido em 1968, em razão de uma sugestão dos organizadores da Congresso Internacional de Filosofia realizado em Viena, em curta comunicação lida aos 3 de março daquele ano, e cuja sessão especial intitulou-se "Ciência e Ética: A Responsabilidade Moral do Cientista".

A afirmação central, o mote do autor, o elemento que desencadeia toda a questão a ser refletida é a de que "hoje, pode tornar-se ciência aplicada não só toda a ciência pura, mas também todo o conhecimento acadêmico puro" (1996, p. 153).

Para ele, falar em responsabilidade moral do cientista, em tempos de risco de guerra nuclear e biológica, consistia em um eufemismo, ou seja, um modo de tornar mais agradável algo de fato gravoso.

E o problema persiste, e a questão continua tendo que ser pensada.

Para o Direito e para sua ciência, pensando-se na relação dialética entre as formas de direito positivo e de produção científica em Direito e sobre o Direito, trata-se de uma questão central, dados os compromissos de uma hermenêutica ampla e constitucionalmente engajada que depende da consciência desta funcionalização direta da teoria à prática, na consecução daquilo que Konrad Hesse denominou, em "A Força Normativa da Constituição", como "vontade de Constituição", ou seja, uma intencionalidade do intérprete direcionada à aplicabilidade e à maximização dos valores, regras e princípios vigentes no texto constitucional que, ao invés de sucumbirem ante os "fatores reais de poder", têm a capacidade de, pela própria característica deôntica inerente ao Direito, conformar a realidade a objetivos jurídica e politicamente estabelecidos, gerando, portanto, mudanças nas relações fáticas, sempre rumo à dignidade da pessoa humana e a todos os outros objetivos de uma República e de um Estado Democrático de Direito, com destinações de proteção individual e coletiva, sem descuidar das prestações sociais.

Popper levanta uma série de questões de fundo ético, dado o contexto de sua fala, tais como a aplicação ética das teorias científicas, construídas estas mesmas sob os parâmetros de controle ético; o compromisso e a cooperação que deve se estabelecer entre professores e alunos na construção da pesquisa e de seus objetos; o nefasto culto da violência nas culturas de massa e como isso se relaciona com fenômenos de "agressividade humana" e ciclos de "resistência à agressão", "medo da agressão", "confusão mental" e "falta de flexibilidade intelectual" (1996, p. 157-158), segundo termos do próprio autor.

O grande mote empírico que reforça a urgência da responsabilidade moral do cientista, segundo se pode entender na explanação de Popper, mas sem querer com essa afirmação esgotar o texto, consiste na herança histórica advinda das guerras mundiais, especialmente no que se travou em termos de armamento nuclear e de violações em larga escala dos direitos humanos.

Para o autor, os julgamentos do Tribunal de Nuremberg "reconheceram que a consciência de cada ser humano é o derradeiro tribunal de apelo no tocante à questão de dever ou não desobedecer uma determinada ordem" (1996, p. 159).

Portanto, subsiste, mesmo em cenários de regramento legal, a necessidade de o sujeito posicionar-se perante a regra, avaliando-a, inserindo-a em um ordem de princípios e de valores que orientem o processo de interpretação e de decisão. Ou seja, mesmo havendo uma ordem objetiva das coisas, o universo da subjetividade tem cabal papel nos resultados obtidos com a ação humana.

Veja-se a passagem do autor que reforça o entendimento exposto acima, na defesa da liberdade pautada pelos critérios éticos, levando mesmo a uma desobediência,
A liberdade pela qual devemos estar preparados para lutar é precisamente a liberdade de desobedecer a uma ordem que, segundo pensamos, é criminoso obedecer. É dever inelutável de qualquer político leal numa democracia compreender a situação terrível em que pode vir a encontrar-se um cientista e lutar pelos direitos do objector de consciência, seja este cientista ou soldado (1996, p. 159).
A defesa da liberdade de pensamento, direito fundamental constitucionalmente estabelecido no artigo 5°, VI, é ressaltada por Popper, que partindo do argumento de nossa infindável ignorância, do que decorre a inafastável humildade intelectual, orienta a compreensão de que o cientista, ao produzir conhecimento, produz poder e, tendo em vista que " [...] o poder tende a corromper e que o poder absoluto corrompe de modo absoluto [...]" (1996, p. 160) a obrigação moral essencial do cientista reside justamente no controle, por meio da prevenção e da precaução quanto aos resultados do conhecimento produzido, em relação ao quanto tal conhecimento poderá ou não "perigar a liberdade" das pessoas.

Para o campo jurídico, que deve investigar as relações público-privadas na efetivação dos direitos fundamentais de todas as pessoas, a questão fica centralmente relevante, visto que o campo jurídico é aquele fortemente íntimo às esferas Legislativa, Executiva e Judiciária, as quais consistem em e darão organização às instituições sociais, dando vida aos textos das leis, por meio de seus agentes, além da orientação que o Direito proporciona às práticas privadas, tudo isto entendido no contexto do "Império do Direito", conforme o pensador Ronald Dworkin.

Neste sentido, outro problema caro, levantado por Popper, é o do "sofrimento evitável" e da felicidade humana promovida nas esferas pública e privada. Para o autor, em duas passagens distintas,
[...] as discussões centradas numa revisão do Juramento de Hipócrates podem levar à reflexão sobre problemas morais tão fundamentais como a prioridade do alívio do sofrimento.
Há muitos anos, propus que a ordem de trabalhos para a política pública consistisse, em primeiro lugar, em encontrar maneiras e modos de aliviar o sofrimento, até onde fosse possível aliviá-lo. Contrastando isso com o princípio utilitário de maximizar a felicidade, propus que, no essencial, a felicidade deveria ser, e apenas pode ser, deixada à iniciativa privada, enquanto o alívio do sofrimento evitável constitui um problema de política pública (1996, p. 157).
Referindo-se à ciência,
Embora muitos tenham questionado se o avanço tecnológico contribui sempre para o aumento de nossa felicidade, poucos consideram ser tarefa sua descobrir quanto sofrimento evitável é conseqüência inevitável, embora involuntária, do avanço tecnológico (1996, p. 161).
O texto do autor permite uma série de reflexôes que perpassam os modelos políticos que temos adotado e seus efeitos sobre a vida de todos, consideradas as desigualdades sociais e as posições que os sistemas vigentes delegam a cada agrupamento de pessoas.

Por estar em pauta a questão do avanço tecnológico, Popper considera que o tecnicismo consiste em um problema na relação docente e na produção científica,

São necessários cada vez mais técnicos e, em consequência, cada vez mais doutorados se treinam apenas como técnicos. Com frequência, só são treinados em técnicas de medição. E nem seque se lhes diz que problemas fundamentais há para resolver pelas medições que efectuam em vista da sua tese de doutoramento. Considero esta situação indesculpável e irresponsável. Vejo-a como uma espécie de quebra do juramento de Hipócrates por parte do professor universitário. Pois a sua tarefa é iniciar o estudante numa tradição e explicar-lhe os grandes novos problemas suscitados pelo crescimento do conhecimento e que, por seu lado, inspiram e motivam todo o crescimento subsequente (1996, p. 156).
As questões tocadas por Popper, como já afirmado, mantém sua atualidade para pensarmos os problemas caros ao Direito, deste a formação nos bancos universitários, preparando às carreiras jurídicas, como no exercício profissional materializado tanto quando do ingresso nas carreiras como no próprio momento do estágio.

A responsabilidade moral do cientista, seja este entendido como profissão, seja este momento entendido como preparatório ao exercício profissional, é um problema constante para todo o ser humano que trabalha com conhecimento e que, portanto, veicula poder.








Para referências correlatas, acesse:
Código de Ética do Avogado, OAB:

Juramento de Hipócrates:

2 comentários:

  1. o texto está com algumas falhas e uma certa falta de coerência e comunicação com os outros documentos a que me refiro, vou arrumar isso! ;)

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