... a ciência social como uma ciência humana, demasiadamente humana
Grupo de Estudos que vem sendo desenvolvido no Centro Universitário Curitiba, sob gestão do Núcleo de Pesquisa e Extensão – NPEA.

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domingo, 21 de junho de 2009

A responsabilidade moral do cientista e do jurista: comentários de um estudante de Direito à comunicação de Popper

Popper, nesta breve comunicação (1996), revela considerar a discussão da responsabilidade moral do cientista como apenas uma forma mais elegante e suave de se tratar de ameaças nucleares e biológicas. Ressalta que a importância da discussão deve-se à tendência da época [1968] e ainda atual, posso dizer sem vacilar, de todo conhecimento científico e acadêmico puro tornar-se prático em potencial.

Através de uma revisão do juramento de Hipócrates – surgido na Grécia antiga e direcionado aos futuros médicos da época –, propõe uma reformulação, que não pretende impor, mas tornar aberta na medida em que é posta em favor do diálogo aberto com estudantes que venham a exercer futuramente atividades que reivindiquem responsabilidade moral sobre os resultados. O juramento reformulado de Popper é composto pelos três aspectos descritos a seguir. O primeiro refere-se à responsabilidade moral do estudante comprometido com o crescimento do conhecimento, que implica não tratar com excessiva benevolência os erros cometidos, mesmo sabendo que todos correm o risco de errar. Isso exige a complexa tarefa de se pautar o trabalho em rigorosos patamares, sempre cuidando para elevá-los, e, ao mesmo tempo, manter-se ciente das limitações de nosso conhecimento e de nossas capacidades. O segundo aspecto refere-se ao reconhecimento, pelo aluno, de que ele se insere em uma tradição e em uma comunidade científico-acadêmica que exige lealdade com os predecessores e com os colegas, porém, concomitantemente, reflexão crítica sobre esse espaço e sobre esses sujeitos – grupo do qual o estudante não pode se subtrair. A terceira característica aponta para a necessidade de se manifestar uma relação de lealdade do conhecimento desenvolvido com seus potenciais afetados, o que implica lealdade com toda a humanidade, devendo o cientista tentar prever maneiras de evitar usos indesejados desse saber.

Vejo este último ponto, em especial, como de extrema relevância para a discussão jurídica no Brasil hoje. Em nossa faculdade, até onde tenho notícias, preponderam programas de treinamento e práticas pedagógicas que consistem em pura repetição escolástica de textos legais, doutrinários e jurisprudenciais. Os poucos espaços de reflexão acabam mitigados por uma linguagem de acesso restrito, recheada de preciosismos, e costumeiramente se fecham no que Foucault chamava de interdição do “direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala” (FOUCAULT, 2006, p. 9). A produção doutrinária é, em geral, extremamente volúvel a modismos e se torna altamente contingente. Encontrar construções intelectuais com amparo teórico sólido é raridade, o que pode apontar para a completa prevalência de um formação de cunho profissionalizante – que, definitivamente, não dá conta dessa meta – em detrimento da compreensão do que é o jurídico, o que acaba por reduzi-lo a puro conservadorismo.

A terceira proposta de Popper, frente ao discurso fortemente desamparado e de difícil acesso de nossa realidade jurídica, invoca a necessidade de se abrir a compreensão do fenômeno do Direito como discurso aberto, construído para e por seus destinatários. É esse o dever de lealdade mínimo que o jurista deve estabelecer com seu objeto de estudo. E para instrumentalizá-lo, vejo como pertinente uma ponderação de Barthes, segundo a qual o favorecimento da inteligibilidade do discurso não pode resultar na eliminação de sua metanarrativa (BARTHES, 1987, p. 177). É esta, precisamente, uma das grandes responsáveis pelo potencial de se exercer algum controle sobre os resultados do conhecimento produzido, por o circunscrever a limites e circunstâncias próximos dos em que surgiu. No entanto, quantas vezes nós, estudantes de Direito, já não assistimos professores reduzirem – sob justificativa de recurso didático – discussões principiológicas a mera enumeração enciclopédica de princípios? Ou ainda transformarem teorias e fenômenos complexos em frases de efeito ou simples proposições de senso comum? A ausência da metanarrativa é evidente, e os espaços de exercício de poder desvelam-se insensivelmente. Ao tratar da responsabilidade do cientista social, Popper ressalta como uma sua obrigação moral buscar meios de controle de instrumentos de poder, e não apenas tornar estes evidentes. Esse alarde, evidentemente, se torna ainda mais gritante para o Direito enquanto (pretensa) ciência social aplicada.

Popper assume a dificuldade de se avançar no tema, por isso salienta que o fundamental é manter no cientista e, agora devo também dizer, no jurista a consciência de sua responsabilidade. É nesse sentido que considera irresponsável a titulação de doutores com formação puramente técnica, salientando que o papel do professor é de, também, inserir o aluno na tradição de conhecimento em que este passa a ser um elo, demonstrando dela não apenas os caminhos, mas também as asperezas.

REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. El discurso de la historia. In:______. El susurro del lenguage: más allá de la palabra y de la escritura. Barcelona: Paidós, 1987.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970 . São Paulo: Edições Loyola, 2006. 14ª Ed.

POPPER. Karl R. A Responsabilidade Moral do Cientista. In:______. O Mito do Contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Organização: M. A. Notturno. Tradução de Paula Taipes. Lisboa: Edições 70, 1996. p.153-161.

3 comentários:

  1. ótimo, eduardo! eu penso assim tb.

    que bom que vc levantou os aspectos do "erro" e da "falibilidade" humana, deixei isso escapar. o bom de todos redigirmos é que firmamos as idéias sem tanta dificuldade neste cotidiano corrido e com mais protocolos do que discussões verdadeiras.

    acho que outro problema que podemos enxergar na questão são os alunos que não são leais aos professores que realmente se dedicam, e dão mais atenção e valor aos que estão mais para "bagunça" ou "status" do que para a ciência. e rotulam os mais dedicados de "pesados" ou "chatos". uma pena, um desperdício. e uma violação ao juramento de hipócrates que, como descobrimos pelas palavras de popper, aplica-se a todos nós.

    valeu, meu amigo!
    abraços,
    eliseu.

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  2. Texto interessante.

    Ao mesmo tempo que traz elementos discutidos na reunião, faz uso das idéais de Popper em uma contextualização com enfoque crítico.

    Acredito que para iniciarmos a escrita de pequenos textos (com grandes idéias), a abordagem oferecida pelo Dall´Agnol pode servir como modelo.

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  3. pois é, como eu tinha dito pro eliseu, a minha idéia era de ser bem intuitivo mesmo. tanto que acabei falando só do que achava que poderia falar. a questão da guerra, do utilitarismo eu deixei de fora, escapando um pouco do fichamento que esgota o texto. deixei as idéias fluírem; até porque é só por essas primeiras formulações precárias que a gente consegue dar forma a algo mais definido e próximo do que a gente pensa.

    espero que o restante do pessoal esteja disposto a entrar no jogo!

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